Ibero-América, Agenda 2030 e CSS para e/ou com os povos indígenas

Embora haja experiência na região em Cooperação Sul-Sul Bilateral para e/ou com os povos indígenas, ainda há muito a fazer.

“Os povos indígenas sofreram injustiças históricas, entre outras coisas, como resultado da colonização e da privação de posse das suas terras, territórios e recursos, o que particularmente os impediu de exercer o seu direito ao desenvolvimento de acordo com as suas próprias necessidades e interesses” (ONU, 2007).

Apesar de os países da região terem feito progressos no reconhecimento e proteção dos seus direitos, “até hoje os povos indígenas são um dos setores da população da América Latina mais negligenciados e excluídos social, política e economicamente” (CEPAL e FILAC, 2020, Pág. 15).

Por outro lado, os povos indígenas desempenham um papel fundamental na mitigação da mudança climática e na conservação da biodiversidade – em particular da agro-diversidade – através dos seus conhecimentos, práticas e usos da natureza. Em consequência do que precede, proteger os seus territórios não é apenas fundamental para eles, mas para toda a humanidade.

Como é que a Cooperação Sul-Sul (CSS) respondeu a estes desafios? No seu estudo Cooperação Sul-Sul e Triangular e Povos Indígenas, Zuñiga indica que “a CSS Sul-Sul e Triangular para ou com os povos indígenas tem estado praticamente ausente das definições de política pública no domínio da cooperação na maior parte dos países da comunidade ibero-americana” (Zúñiga, 2022, Pág. 30). Isto não implica que não existam iniciativas para ou com os povos indígenas, pois existem instrumentos CSS e Triangular que, sem serem especificamente destinados aos povos indígenas, podem apoiar este tipo de iniciativas. No entanto, para Zúñiga (2022) é menos claro que exista uma direção estratégica específica para abordar esta questão.

Ao analisar a CSS Bilateral em execução na Ibero-América entre 2015 e 2021, foram encontradas 48 iniciativas para e/ou com os povos indígenas (39 projetos e 9 ações), o que representa 2% do total. Esta percentagem é apenas ligeiramente superior à encontrada por Zúñiga (2022) para toda a CSS e Triangular entre 2006 e 2019 (1,2%). Destas, dois terços correspondem ao que o autor denomina “iniciativas para os povos indígenas”, ou seja, aquelas em que povos indígenas são os únicos destinatários. As restantes são “iniciativas com povos indígenas”, que os incluem de forma explícita entre a sua população-alvo, mas juntamente com outros grupos.

Como se pode ver no primeiro gráfico, as iniciativas de CSS Bilateral para e/ou com os povos indígenas na Ibero-América caíram no período analisado: passaram de 17 em 2015 para 10 em 2021, embora a queda seja menor se apenas forem tidos em conta os projetos. No entanto, a sua proporção relativamente ao total das iniciativas anuais de CSS Bilateral chegou a um mínimo em 2018 (1,4%), mas a partir daí aumentou de forma ininterrupta, inclusive nos anos da pandemia, atingindo um pico de 2,2% em 2021.

Gráfico 1. Evolução das iniciativas de CSS Bilateral para e/ou com os povos indígenas da Ibero-América, por tipo e percentagem sobre o total. 2015-2021

Em unidades e percentagem

Fonte: SEGIB a partir das Agências e Direções Gerais de Cooperação.

Quanto aos temas (ver segundo gráfico), 31% podem agrupar-se na aplicação da abordagem intercultural nas políticas públicas, principalmente saúde e educação intercultural, mas também com a sua transversalização na gestão pública e na planificação. Seguem-se o desenvolvimento económico e sustentável e as políticas sociais e de acesso aos serviços, cada um com quase um quinto.

No que respeita aos direitos, participação e acesso à justiça, algumas centram-se na participação eleitoral, mas também na participação na conceção e implementação de políticas públicas, no direito à autonomia e governação, e no direito à defesa.

Finalmente, agrupados sob cultura e saberes encontram-se projetos e ações relacionados com a salvaguarda do património cultural imaterial dos povos indígenas, línguas indígenas e conhecimentos ancestrais.

Gráfico 2. Principais temas das iniciativas de CSS Bilateral para e/ou com os povos indígenas da Ibero-América 2015-2021

Em percentagem

Fonte: SEGIB a partir das Agências e Direções Gerais de Cooperação.

Tal como se pode observar no terceiro gráfico, sobre o tipo de agentes que participam nas iniciativas, constata-se que em apenas uma das 48 há uma organização indígena. A maior parte são implementadas por organismos públicos, quer setoriais, quer transversais ou especializados em assuntos indígenas. Em muito menor medida, verifica-se a participação da academia, sociedade civil, governos locais e setor privado.

Gráfico 3. Tipo de agentes que participam nas iniciativas de CSS Bilateral para e/ou com os povos indígenas da Ibero-América. 2015-2021

Em unidades

Fonte: SEGIB a partir das Agências e Direções Gerais de Cooperação.

Por sua vez (ver quarto gráfico), entre 2015 e 2021, catorze países da região envolveram-se em iniciativas de CSS Bilateral para e/ou com os povos indígenas. A Colômbia é o país que mais se destaca em termos de participação, com um perfil completamente bidirecional, uma vez que participa de forma equitativa como ofertante e recetor. Estas 20 iniciativas representam 3,7% do total da CSS Bilateral em que o país está envolvido com a Ibero-América.

Segue-se o Peru e o México, o primeiro com um perfil dual inclinado para a receção de assistência técnica, e o segundo com um perfil proeminentemente de ofertante. Participam em praticamente um quarto das iniciativas.

Outros países que têm estado ativos neste tipo de cooperação são a Bolívia, Chile e Paraguai. No caso do Chile, no papel de ofertante ou bidirecional; em contrapartida os outros dois registaram um perfil mais variado. Para a Bolívia e o Paraguai, estas representam 3,8% e 3,9% das iniciativas de CSS Bilateral em que participaram nesse período na Ibero-América, uma proporção que quase duplica a regional.

Gráfico 4. Participação dos países nas iniciativas de CSS Bilateral para e/ou com os povos indígenas da Ibero-América, conforme o papel. 2015-2021

Em unidades
Fonte: SEGIB a partir das Agências e Direções Gerais de Cooperação.

Para Zúñiga (2022), uma CSS deste tipo pode tornar-se um instrumento fundamental para reduzir a disparidade existente entre o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e a sua violação sistemática na prática. Os povos indígenas devem necessariamente ser incluídos nos diálogos político-técnicos sobre instrumentos e iniciativas CSS e Triangular que lhes são especificamente destinados ou que os incluam como parte dos seus destinatários.

Agosto de 2023

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Fonte: SEGIB a partir das Agências e Direções Gerais de Cooperação, CEPAL e FILAC (2020), ONU (2007) e Zúñiga (2022).