A Ibero-América está a trabalhar para reconhecer e garantir os direitos das populações afrodescendentes
Cooperação entre o Uruguai, Brasil e Espanha em matéria de igualdade racial com governos subnacionais.
A desigualdade na América Latina é um grande obstáculo para o seu desenvolvimento sustentável e para as democracias. Embora o primeiro eixo estruturante deste fenómeno seja o estrato socioeconómico, existem outros que marcam as desigualdades persistentes na região, entre os quais se encontra a condição étnico-racial (CEPAL e UNFPA, 2021).
Ainda hoje está presente o legado da exclusão da escravatura que pesa sobre as populações afrodescendentes (estimada em pelo menos 134 milhões de pessoas), e que ocultou a sua contribuição para o desenvolvimento das nações (CEPAL e UNFPA, 2021). “O atual modelo de desenvolvimento, o racismo estrutural e a persistência da cultura do privilégio reproduzem as desigualdades estruturais, as privações e as violações de direitos que continuam a afetar as populações afrodescendentes na América Latina e a afastá-las do bem-estar” (CEPAL e UNFPA, 2021).
Segundo o estudo da Comissão Económica para a América Latina (CEPAL) e do Fundo das Nações Unidas para a População (CEPAL e UNFPA, 2021), e de acordo com os dados disponíveis, na América Latina a incidência de pobreza e a pobreza extrema são muito mais elevadas entre os afrodescendentes. Isto é agravado por deficiências relacionadas com serviços básicos, falta de acesso à educação e à saúde de qualidade, e grandes défices de trabalho digno e de proteção social. Sob o ponto de vista profissional, as mulheres e os jovens afrodescendentes são os mais afetados pela desigualdade.
Nas últimas décadas, alguns países da Ibero-América começaram a tomar medidas para o reconhecimento das populações afrodescendentes como parte da sua história e cultura, ao mesmo tempo que lançaram políticas destinadas a melhorar as suas condições de vida e a garantir os seus direitos (SEGIB, 2020).
“O Brasil é um dos países da América Latina em que se alcançaram melhores resultados quanto à institucionalização de políticas contra a discriminação e a favor da equidade racial” (SEGIB, 2020). Destacam-se, por exemplo, as iniciativas implementadas a partir da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (2003) e do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (2009), que culminaram no Estatuto da Igualdade Racial (2010) e no seu regulamento. Este estatuto institucionalizou uma série de iniciativas nos domínios da educação, cultura, desporto, lazer, justiça, saúde, trabalho e assistência social (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – MDH, 2021).
No caso do Uruguai, a visibilidade estatística das minorias étnico-raciais (que começou em 2006) desmontou o mito de que a sociedade uruguaia era relativamente homogénea sob o ponto de vista racial (UNFPA, 2022), integrada e quase sem desigualdades (Ministério do Desenvolvimento Social – MIDES, 2019). Como marcos nas políticas desta área podem mencionar-se , entre outros, a Lei contra o Racismo, Xenofobia e Discriminação (2004), a Lei de Ações Afirmativas para Afrodescendentes (2013) (na qual o Estado reconhece pela primeira vez a discriminação sofrida pela população afro-uruguaia (MIDES, 2019)) e o Primeiro Plano de Equidade Racial e Afrodescendência (2019). Este plano, discutido com assembleias em todo o território nacional, tem como principais objetivos organizar e orientar as políticas públicas para a inclusão de pessoas afrodescendentes, promover a sua participação social e incorporar a perspetiva étnico-racial nas políticas (MIDES, 2019).
A Cooperação Sul-Sul e Triangular também têm apoiado estes processos. Por exemplo, desde 2008 que o Uruguai e o Brasil têm vindo a promover acordos de trabalho para a promoção da igualdade racial e, em particular, o cumprimento dos compromissos da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) e da Declaração e Programa de Ação de Durban (2001).
Neste contexto, surgiu o projeto Triangular Assessoria política e técnica para a implementação de políticas públicas de igualdade racial no quadro da implementação da Estratégia Nacional de Políticas Públicas para a População Afrodescendente com governos subnacionais entre o Brasil, Uruguai e Espanha, implementado entre 2019 e 2020. O projeto foi financiado pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) no âmbito do seu Programa de Cooperação com Afrodescendentes. Com este programa a AECID (2016) posiciona-se como facilitadora de espaços de diálogo entre os diferentes agentes envolvidos (organizações afro, organismos multilaterais, instituições governamentais encarregadas dessa questão, etc.) e como impulsionadora da melhoria da qualidade de vida dos afrodescendentes e do reforço das suas próprias organizações.
O projeto centrou-se nas zonas de fronteira entre o Uruguai e o Brasil, especificamente nos departamentos uruguaios de Artigas, Cerro Largo e Rivera e nas cidades-espelho brasileiras (Quaraí, Jaguarão e Santana do Livramento). De acordo com os dados do Censo de 2011, estes três departamentos têm a maior proporção de população afrodescendente (UNFPA, 2022).
Como resultado do projeto, existe agora informação atualizada e de qualidade sobre a situação da população afrodescendente nos três departamentos uruguaios, em termos de saúde, educação, desenvolvimento económico e cultura. Isto constitui um contributo fundamental para a elaboração de planos locais de equidade étnico-racial. Por outro lado, foi possível reforçar as capacidades técnicas das instituições uruguaias com competência nesta área, bem como conceber estratégias conjuntas com o Brasil para enfrentar o desafio.
Apesar dos progressos alcançados, existe ainda uma grande dívida social para com as populações afrodescendentes da região (SEGIB, 2020), e a cooperação Sul-Sul e Triangular pode contribuir para eliminar todas as formas de discriminação racial, em conformidade com o princípio da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável de não deixar ninguém para trás.
Janeiro de 2023
***
Fontes: AECID (2016), CEPAL e UNFPA (2021), Documento de formulação do projeto, MDH (2021), MIDES (2019), SEGIB (2020), SIDICSS (2022) e UNFPA (2022)